INTRODUÇÃO
Os problemas que assolam nossas vidas, de desemprego a seqüestros, de secas a violência, provocam diversos desajustes na conjuntura político-social do Brasil. Tais problemas são encarados como questões sociais. Procura-se ver o que uma coisa leva a outra, e desta a mais outra ainda. A preocupação diante deles estão quando ultrapassam níveis considerados normais, portanto controlável pelo poder, que esteve e está nas mãos das elites políticas e econômicas.
A questão social desde muito é
encarada pela própria sociedade como responsabilidade tão e somente do
governo. Por outro lado os problemas sociais passaram a ser encarados como
decorrentes da carência de recursos materiais e intelectuais, assim com da
pobreza. Esta, por sua vez, vista como causa individual e de responsabilidade
de cada um.
Esses fenômenos sociais são
tidos como éticos e morais, associados à permanência da ordem social do
governante que está no poder. Muitas experiências foram feitas por governos
locais no sentido de combater os problemas sociais.
A QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL: A
DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
As dificuldades por que passam
os brasileiros são tidas como problemas sociais, estas por sua vez, se ultrapassarem
ao nível considerado “normal”, passam a serem consideradas como fenômeno
social. O problema está, justamente, em se considerar normal o que é nocivo,
pernicioso.
O que tem acontecido? Tem sido
tênue a linha que liga a questão social com o que ela representa. Por
exemplo, as injustiças e desigualdades sociais que não representam ameaças
diretas ao controle político e da ordem são deixados à mercê, tolerados,
deixados no campo daquilo que consideram como sendo normal. Já a violência,
seqüestros, homicídios, dentre outros, por serem ameaças diretas à ordem e ao
poder, têm prioridade da ação governamental, quando ganham investimentos
pesados, mesmo sem grandes resultados, pois as suas causas estão vivas e
bastantes potenciais.
É assim que fenômenos sociais,
como pobreza, aqueles decorrentes das secas, são toleráveis, só ganham
prioridade , quando associados aos que representam ameaças à ordem . Exemplo:
quando a pobreza é associada à violência, então são tomadas algumas
providências para que volte aos níveis aceitáveis, portanto controláveis. E
antes? Como era encarada a questão social? No final do século XIX, em
decorrência dos grandes aglomerados urbanos, os problemas sociais cresceram,
principalmente por causa do modelo econômico que explorava o trabalho livre.
A pobreza e os demais problemas individuais, portanto de responsabilidade
privada, ficava a cargo da filantropia, da caridade proveniente da elite
econômica (sua própria causadora), saindo-se ainda com prestígio social pelos
“atos fraternais”. E assim permanece nas primeiras décadas do século XX, e
ainda agora, como fenômeno esporádico.
Uma mudança significativa houve
com as transformações econômicas, com a formação das classes assalariadas
urbanas (o operariado), somando-se aos imigrantes europeus, com experiências
de lutas sociais de caráter anarquistas, quando lutavam por melhores
condições de vida.
Mas a questão do bem-estar dos
cidadãos (agora, os trabalhadores assalariados) nada tem a ver com os pobres
(desempregados, considerados não-cidadãos).
A partir de 1930 a questão
social do trabalho é matéria do governo, enquanto que o da pobreza
(desvalidos) continua coisa da filantropia. Aqui há uma diferenciação entre
problemas sociais e questões sociais. Um é indesejável porém aceito, o outro,
mais abrangente, é até legitimado, tido como permanente e estrutural. Cidadania
e pobreza assumiram características distintas. A primeira é vinculada ao trabalho,
a segunda à situação de carência, à marginalização, a não contribuição aos
cofres públicos, portanto ficando à mercê da caridade alheia. O que é bem
diferente dos países europeus, onde a questão social é tratada com respeito.
Aqui os direitos sociais não passam de políticas sociais, dirigidas a dois
públicos distintos: direitos dos cidadãos e “assistência” social aos pobres. Os
cidadãos são protegidos por contribuírem, já os pobres, por não contribuírem,
sobram programas de caráter filantrópico, e isso ainda, aos grupos mais
carentes, portanto mais propício à ameaça social.
Outra característica assumida
pela questão social brasileira é o caráter paternalista e clientelista nos
diversos níveis do poder. Dessa forma firma-se na sociedade a imposição de
uns e a subserviência de outros, do mais alto cargo ao mais baixo, e destes
ao povo, em forma de apadrinhamento, de dependência, de sujeição aos direitos
sociais, à personificação do Estado, aos grupos partidários locais, estaduais
e nacionais. É assim que as elites desses níveis se apoderam do poder e dos
problemas e mazelas do povo para perpetuarem-se, mesmo que se revezando, no
poder.
A questão social vinculou-se a
dependência entre política econômica e a política social, estando
centralizando ao Estado, ao poder, por considerarem o povo em geral
(trabalhadores, desempregados) como incapaz de garantir sua sobrevivência,
assim tolerando as associações populares (sindicatos,etc.), controlados, a
serviço dos dois lados, para fazer valer o sistema protecionista e
filantrópica, com raríssimos privilégios, no caso dos assalariados.
Desde a sua origem, o nosso
sistema de proteção social, ao invés de existir para garantir a capacitação e
inclusão dos cidadãos (desvalidos, desempregados, analfabetos, miseráveis) no
mercado de trabalho, tem funcionado apenas para reproduzir o sempre atual
sistema de reprodução de subalternidade, de subserviência, de apadrinhamento
das classes assalariadas e do povo em geral para com aqueles detentores do
poder econômico e político do país.
Então a questão social no
Brasil é moldada de acordo com os interesses das elites políticas. A questão
social, que com a questão trabalhista firma-se como proteção social (como
direitos sociais e filantropia), assume característica paternalista, de
política do favor, de patriarcalismo autoritário, ou seja, misérias
transformam-se em instrumentos, armas de dominação, bem como a reprodução do
sistema. Por isso, atualmente, direitos são vistos pela elite como
privilégios, favores. Historicamente, sabemos que o brasileiro tornou-se
cordial e “permissivo”, manso, por moldagem forçada pelas elites políticas e
econômicas, através das próprias políticas sociais . Estranhamente não foram
os governos mais ditatoriais que mais sufocaram a questão social, mas nos
períodos considerados democráticos, normais, quando os mais poderosos melhor
se apropriaram do sistema e dos benefícios, passando o resto aos menos
pobres, o restante aos pobres e as migalhas aos muito pobres. É aqui que está
o traço dominador da política social.
No Brasil, ao contrário de
muitos países, as políticas sociais não só reproduzem as desigualdades como
aumentam a subalternidades dos desamparados. Isso é que é mais cruel e ditatorial,
na essência da palavra.
É comum em hospitais públicos
do interior uns serem melhor atendidos por serem eleitores do prefeito,
outros até nem podem ser atendidos por terem votado na oposição. Isso sem
contar o nepotismo e o clientelismo muito em voga.
Ficam todos os dependentes de
serviços públicos à mercê da boa vontade dos funcionários públicos
(assalariados, pagos pelo Estado, portanto pelos impostos do povo) para
obterem o mínimo do direito básico que é seu. A relação no Brasil entre
cidadania e mercado, obedece a alguns critérios de proteção social
estabelecidos: previdência social para aqueles que são assalariados na
iniciativa privada, estabelecendo relações sociais entre os trabalhadores do
setor privado. Mas esse sistema foi combatido nos anos 90pelas elites
dirigentes por considerarem oneroso. Depois o Estado, passou a subsidiar os
serviços , mas adotou a política de privatizações dos serviços sociais,
quando esses serviços sociais passam a ser atividades lucrativas, fonte de
acúmulo de capitais, portanto sujeitas às leis do mercado, enquanto que a
população permanece descapitalizada.
É o caso do setor de energia,
de telefonia e a indústria farmacêutica controlados pelo capital privado (e a
te estrangeiro), tornando os serviços e produtos caros. Com a crescente
globalização econômica, acentua-se a privatização, quando a questão social
deixa de ser associada ao mercado de trabalho para ser vinculada ao mercado
de consumo. Atualmente o Estado procura diminuir o seu tamanho, ou seja,
reduzir os custos.
O cidadão agora é visto pela
sua capacidade de consumo, assim também a sua proteção social. Então é cada
um por si, não existe a compensação das desigualdades sociais, das
injustiças.
O povo se vê desvalido de
direitos sociais básicos, enquanto que as elites políticas não articulam
democracia política com democracia social, pois o país é uma das maiores
economias do mundo e também é uma das maiores desigualdades sociais. Direitos
sociais cada vez mais passam a ser entendidos como necessidades sociais, pois
os direitos estando privatizados vincula a proteção à capacidade produtiva de
cada um. É o caso da aposentadoria, que deixou de ser regulada pelo tempo de
trabalho para tempo de contribuição. Ou seja, que cada um se ampare, que se
garanta, porque senão...
As desigualdades de nada
parecem a se acentuar, elas persistem na pobreza tradicional, e se renovam
nas novas pobrezas decorrentes das transformações econômicas, como as
conseqüências da globalização e da organização da nova ordem mundial. Como as
desigualdades sociais acentuam-se e tornam-se radicais, a pobreza tornou-se
algo muito natural, fruto da acentuação da globalização e do modelo capitalista,
ou seja, de fatores externos, como se não bastassem os internos, esses que adquirimos
no decorrer do tempo.
As elites políticas continuam
se revezando no poder, agindo de acordo com seus interesses e focalizando a
pobreza, por eles mesmo produzida, como uma “questão social” enfrentando-as
com políticas sociais nos grupos identificados como vulneráveis, quase sempre
sob os holofotes da grande mídia, principalmente em épocas de eleição. Naturaliza-se
a pobreza, principalmente porque rende debates políticos, cada um jogando ao
ar que a pobreza é fruto do fracasso do seu opositor, ao mesmo tempo em que
uma pequena parcela da sociedade concentra a maior parte da renda nacional, a
grande parte da sociedade vive de migalhas, faltando-lhes o básico como
família, saúde, educação de qualidade, etc.
A necessidade atual consiste em
o Estado fazer-se forte no sentido de atuar em prol da sociedade, portando
uma verdadeira democracia, distributiva de renda, enfrentando as
desigualdades sociais. O Brasil deve, portanto romper as velhas amarras do
interesse feroz burguês e aristocrático e transformar a democracia em algo
que seja do povo de fato, em que o “público” seja realmente de todos,
construindo o espaço que seja suficiente para toda a sociedade brasileira. Cabe
ao brasileiro agora lutar por uma ordem social mais democrática, superando a
sua subordinação pelas elites, considerando a coletividade, transformando a
questão social numa questão redistributiva da riqueza e do poder. Assim todos
ganham.
CONCLUSÃO
A questão social tem sido o espinho no pé desse país, mas não se procura encarar o problema como ele verdadeiramente é, quando jogam-na no campo da filantropia e não um caso da nação como um todo, vendo-a como algo que está aquém e além das nossas vidas, como se fosse irreal.
Os
problemas sociais foram uma constante no Brasil desde tempos imemoriais,
encaradas como coisa da filantropia alheia, mesmo no decorrer do tempo, com o
surgimento das grandes cidades, quando tais problemas se tornaram mais agravantes.
Com as mudanças verificadas na sociedade, na questão trabalhista, o problema
da pobreza tomou outro rumo, separando-se dos problemas do cidadão, que era
aquele que contribuía financeiramente com os cofres públicos.
As
elites dirigentes atuaram e atuam naquilo que consideram perigoso à ordem
nacional, melhor dizendo, ao poder temporal daqueles que se revezam, deixando
estar situações de pobreza, de violência, de desajustes sociais, porém
consideradas normais, ao sabor de seu próprio destino. Pouco se procura ligar
o contesto de uma questão social com o que ela representa, e o que ainda vai
representar. Tal realidade firma-se com o modelo político-social que mais
perpetua a situação problemática do povo, do que atenua, mais se faz em
proveito das elites dirigentes, do que dos desvalidos da nação.
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segunda-feira, 15 de julho de 2013
"A Questão Social no Brasil: A Difícil Construção da Cidadania"
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